Força maior e a exigência de sentença judicial para movimentação da conta vinculada do FGTS

A Lei 8.036/90 exige sentença judicial comprobatória da força maior apenas para o fim de legitimar a multa rescisória sob a alíquota de 20%, ao invés de 40%, nos termos do art. 18, §2º, da referida norma:

Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais.

 

  • 1º Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros.
  • 2º Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o §1º será de 20 (vinte) por cento.

 

Já para a finalidade de movimentação da conta vinculada (o saque do FGTS), a lei não exige que seja apresentada comprovação, via sentença, da ocorrência da força maior, como evidencia o inciso I do art. 20 da Lei 8.036/90:

“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:

I – despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força maior”

Importante notar que a redação anterior do inciso I do art. 20 continha a exigência de “comprovação” de depósito dos valores previstos no art. 18, o que poderia resultar em uma vinculação entre o direito de “movimentação da conta” e a necessidade de “comprovação da retidão do recolhimento do percentual de 20%”, circunstância que, indiretamente, levaria ao entendimento da necessidade da sentença judicial exigida no §2º do mesmo art. 18. Veja-se a redação anterior do inciso I do art. 20 da Lei 8.036/90:

I – despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força maior, comprovada com o depósito dos valores de que trata o artigo 18

Contudo, essa redação foi alterada pela Medida Provisória nº 2.197-43, de 2001, quando foi extirpada a exigência de comprovação.

De mais a mais, a lei não exige que os depósitos de FGTS tenham sido efetuados em sua integralidade para que o empregado movimente a conta vinculada. Mesmo se o empregador não tiver realizado de forma correta e completa os depósitos fundiários, seja no tocante aos recolhimentos mensais, seja no que se refere ao depósito da multa fundiária (20% ou 40%), o empregado tem direito à movimentação da conta em se materializando quaisquer das hipóteses do art. 20 da Lei 8.036/90.

Vale salientar, então, que o empregado possui o direito à movimentação de sua conta vinculada em sendo demitido por força maior sem a necessidade de apresentação de sentença judicial porque não há essa exigência no art. 20, I, da Lei 8.036/90.

Em não sendo verídica a motivação da demissão, poderá o empregado acionar judicialmente a empresa a fim de convolar a rescisão contratual em demissão sem justa causa, com os devidos consectários, incluindo a complementação da multa fundiária para 40%.

Cuida-se da mesma situação na qual o trabalhador é demitido – sem justa causa, por exemplo – sem que a empresa tenha realizado todos os depósitos de FGTS ou os tenha feito de maneira incorreta, inferior ao valor efetivamente devido. O empregado movimenta sua conta vinculada e continua no direito de acionar a Justiça do Trabalho postulando a complementação dos depósitos devidos.

A Caixa Econômica Federal pode, sim, aferir a retidão do recolhimento do percentual de 20% a título de multa fundiária, cobrando do empregador a sentença judicial na qual tenha sido reconhecida a rescisão contratual por força maior, tal como disciplinado no art. 18, §2º da Lei 8.036/90, assim como pode fiscalizar o empregador a qualquer momento para verificar qualquer inexatidão nos recolhimentos de FGTS, seja ou não nos casos de demissão por força maior.

Esse poder de fiscalização, inclusive, está previsto na própria Lei 8.036/90, podendo ser citado como exemplo o disposto no art. 23 da referida norma. No entanto, é um equívoco exigir do trabalhador uma comprovação (a sentença judicial prevista no art. 18, §2º) que deve ser exigida, na verdade, do empregador, no processo de fiscalização do FGTS, ainda mais como condição para a movimentação da conta vinculada.

Em outros termos, a sentença judicial prevista no art. 18, §2º, da Lei 8.036/90, dirige-se ao empregador como prova a ser por ele apresentada à CEF para fins de legitimar o recolhimento da multa fundiária na alíquota de 20% e não de 40%.

Já para o empregado movimentar sua conta vinculada por demissão amparada na força maior, a Lei 8.036/90, em seu art. 20, I, não faz tal exigência, sendo ela incabível por parte do banco por força do princípio da legalidade (art. 37, caput, CF).

Relativamente aos casos de abuso na utilização da força maior como motivo demissional por parte do empregador, notadamente quando não se materializarem seus requisitos (fechamento da empresa ou do estabelecimento, por exemplo), cabe ao empregado, sem prejuízo da movimentação de sua conta vinculada, acionar a empresa judicialmente e obter provimento desconstituindo aquela rescisão, tal como se dá na demissão por justa causa considerada abusiva.

O próprio Ministério Público do Trabalho poderá atuar em face da empresa que estiver se utilizando ilegalmente do instituto e provocando a demissão coletiva dos seus empregados por força maior com o propósito de fraudar o FGTS, assim como todas as demais fraudes com repercussão coletiva.

Submeter o empregado, já penalizado com uma demissão por força maior (supostamente) abusiva, a acionar o judiciário previamente para fins de movimentação de sua conta vinculada, terminará prejudicando-o mais ainda com custas processuais, honorários advocatícios e demora na tramitação do feito, além de configurar a imposição de uma condição não prevista em lei, o que não encontra amparo no ordenamento jurídico.

Face ao exposto, não compete à Caixa Econômica Federal aferir a retidão do recolhimento do percentual de 20% a título de multa fundiária no momento de autorizar a movimentação da conta vinculada pelo empregado porque esta exigência não consta no art. 20, I, da Lei 8.036/90. Pode ela fazer tal aferição, por outro lado, em processo de fiscalização instaurado contra o empregador a qualquer tempo, nos termos previstos na Lei 8.036/90.

Com base nessas razões, considero que exigir a apresentação, por parte do empregado, de sentença judicial reconhecendo a demissão por força maior para fins de movimentação de sua conta vinculada é um equívoco e fere o disposto no art. 20, I, da Lei 8.036/90, bem como o princípio da legalidade, imperativo na Administração Pública por força do art. 37, caput, da Constituição Federal.

Ednaldo Brito

Professor de Direito do Trabalho

 

 

 

 

Sobre EDNALDO BRITO

EDNALDO BRITO
Procurador do Trabalho da 22ª Região. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. @ednaldo_brito_mpt22

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