Súmula Vinculante 14 não se aplica a inquérito civil, decide 2ª Turma do STF

Em sessão virtual finalizada em 18.2.2022, a 2ª Turma do STF confirmou decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes, Relator,  e decidiu, por unanimidade, que a Súmula Vinculante 14 não se aplica a inquéritos civis. De acordo a Súmula, aprovada em 2.2.2009, “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”

A decisão foi proferida nos autos da Reclamação 49456/PE, formulada por empresa que teve negado seu pedido de vistas de inquérito civil conduzido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) da 6ª Região. A negativa se deu, à época, em virtude de diligências em andamento, conforme noticiou o MPT nos autos

A Procuradoria-Geral da República se manifestou contrariamente ao pedido da empresa, em parecer assim ementado:

“RECLAMAÇÃO. A SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO SUBSTITUTIVA DO ATO RECLAMADO TORNA
PREJUDICADA A RECLAMAÇÃO, POR PERDA DE OBJETO. INVIABILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU DE OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. AUSÊNCIA DE ADERÊNCIA ESTRITA ENTRE O ATO RECLAMADO E O PRECEDENTE DOTADO DE EFEITO VINCULANTE. PROCEDIMENTO DE NATUREZA CÍVEL. NÃO CONHECIMENTO. INQUÉRITO CIVIL SOB SIGILO. DILIGÊNCIAS EM CURSO. NEGATIVA DE VISTA DOS AUTOS A ADVOGADO A FIM DE EVITAR O COMPROMETIMENTO DO RESULTADO ÚTIL DAS INVESTIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 14 DO STF. IMPROCEDÊNCIA. 1. O superveniente arquivamento do inquérito civil, cujos autos se intenta acessar, bem como a juntada, em ação ajuizada contra a parte investigada, dos elementos de informação ali colhidos, tornam prejudicada a reclamação, por perda superveniente de objeto. 2. É incabível o ajuizamento de reclamação como sucedâneo de recurso ou de outras ações cabíveis. 3. Incabível reclamação quando ausente aderência estrita entre o ato reclamado, praticado em sede de procedimento investigatório de natureza cível, e a Súmula Vinculante 14, que versa sobre procedimento investigatório conduzido por órgão dotado de competência de polícia judiciária. 4. A decretação de sigilo em inquérito civil, por decisão fundamentada, pautada na preservação do resultado útil das investigações, não ofende a Súmula Vinculante 14 por se tratar de procedimento de natureza cível, facultativo e inquisitorial, prescindindo do contraditório e da ampla defesa. — Parecer pela negativa de seguimento à reclamação e, eventualmente, no mérito, pela improcedência do pedido.”

Acolhendo os argumentos da PGR, o Min. Gilmar Mendes assim decidiu: “Como já demonstrado, a Súmula Vinculante n. 14 é aplicada apenas a procedimentos administrativos de natureza penal, sendo incorreta sua observância naqueles de natureza cível”

O Ministro reproduziu trecho do voto do Min. Celso de Mello no processo de aprovação da da SV 14 para corroborar o seu entendimento: “(…) formulou-se, na espécie, (…) proposta de súmula vinculante destinada a garantir, aos Advogados (e, por intermédio destes, aos indiciados e aos réus) o direito de acesso já reconhecido em lei aos autos de procedimentos penais que tramitem em  regime de sigilo”, concluindo que “Assim, verifica-se descompasso entre o pedido e o que disposto na Súmula 14″

Relembrou ainda precedentes do STF no âmbito das Reclamações 8458/ES, de sua relatoria, e 9677/ES, sob a relatoria do Min. Marco Aurélio. Na Rcl 8458/ES, o Pleno do STF negou provimento a agravo regimental em decisão unânime cuja ementa é a seguinte:

Agravo regimental em reclamação. 2. Direito Administrativo. 3. Pedido de vistas em inquérito civil público. Violação ao princípio da ampla defesa. Inexistente. 4. Súmula Vinculante n. 14. Impossibilidade de aplicação da Súmula em procedimentos de natureza cível. 5. Ausência de argumentos ou provas que possam influenciar a convicção do julgador. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (Rcl 8458 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 18-09-2013 PUBLIC 19-09-2013)

Na Rcl 9677/ES, o Min. Marco Aurélio, monocraticamente, assim se pronunciou: “Atentem para o Verbete nº 14 da Súmula do Supremo, que se aponta inobservado: ‘É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa’. No caso, o acesso pretendido – a processos administrativos que correm em segredo de justiça – não tem respaldo nas premissas do citado verbete, a saber – procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária e envolvimento do requerente. O descompasso mostra-se inafastável”

O arquivamento do inquérito civil que era conduzido pelo MPT e a juntada dos seus elementos de prova em ação rescisória posteriormente ajuizada contra a empresa autora da reclamação constitucional reforçaram o convencimento do Ministro Gilmar Mendes pela improcedência do pedido

O Ministro Edson Fachin, ao acompanhar, na íntegra, o voto do Min. Gilmar, acrescentou que a negativa de vistas por parte do MPT também se legitima em razão da necessidade de resguardar a efetividade das diligencias investigatórias que estavam em andamento, relembrando que “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afasta a aplicação do Súmula Vinculante n. 14 nesses casos também em relação a feitos penais”

Confira abaixo as decisões proferidas nas Reclamações 49456/PE, 8458/ES e 9677/ES

Fonte: STF, Rcl 49456, Rcl 8458 e Rcl 9677

Rcl 49456 acórdão

Rcl 49456 decisão ED

Rcl 49456 decisão

Rcl 8458 acórdão

Rcl 9677 decisão

 

 

 

 

 

 

Sobre EDNALDO BRITO

EDNALDO BRITO
Procurador do Trabalho da 22ª Região. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. @ednaldo_brito_mpt22

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